quinta-feira, outubro 28, 2004

Lucidez

José Manuel Delgado escreve, n'A Bola de 27/10/2004 um interessante artigo sobre o proteccionismo obsessivo das entidades reguladoras da arbitragem.

Prevaricador-pagador
Se Benquerença e auxiliares não podem ser penalizados pelo que aconteceu mas não viram, será que Mário Mendes e auxiliares podem ser penalizados pelo que viram mas não aconteceu? Os árbitros devem estar sujeitos ao princípio do prevaricador-pagador

REPITO uma ideia que me parece de elementar justiça: os árbitros da actual geração são, genericamente, bacteriologicamente mais puros que os antecessores imediatos, menos permeáveis a sugestões, mais senhores do seu nariz e feitos de uma massa mais consistente, nas várias vertentes que importam ao caso, ou seja, na preparação técnica e física, na valia académica e na abordagem clean que fazem aos jogos. Daí que, depois de anos a fio de pé atrás relativamente aos enganos dos árbitros, esteja agora razoavelmente certo de que a má fé do passado já não tem repetição e os erros que vão surgindo se fundam em algo que não tem a ver com as redes organizadas que marcaram o final da década de 80 e os princípios da década de 90 e tiveram tradução prática na irradiação de Francisco Silva e na condenação de José Guímaro.

Em plena crise da arbitragem nacional, com o Benfica justificadamente em pé de guerra e o Sporting sempre a suspeitar das intenções do sistema, julgo ser este o momento de identificar alguns erros que têm sido sistematicamente cometidos pelos responsáveis da arbitragem que, num afã doentio, alegadamente em defesa dos árbitros, mais não têm feito que contribuir para o seu descrédito. Por uma questão de actualidade, que tal puxarmos o filme atrás e debatermos os jogos do Benfica com o FC Porto e o Nacional?

No clássico, Olegário Benquerença (que considero um homem honesto e um árbitro de qualidade, merecedor das insígnias da FIFA, que ostenta) falhou em dois casos: na grande penalidade de Seitaridis, por culpa própria, e no golo de Petit, por mau desempenho do auxiliar (ao contrário do que foi escrito, o árbitro assistente tinha obrigação!!! de ver que Baía foi buscar a bola dentro da baliza, sem que para isso precisasse de estar em cima da linha de fundo). Em suma, um trabalho deficiente da equipa de arbitragem gerou um resultado desvirtuado, algo que, para o futebol, é... devastador. Ora, em vez de esta situação ser assumida, com maturidade, pela Comissão de Arbitragem da Liga, o seu presidente saiu a terreiro para defender, penosamente, o indefensável, enredando-se em argumentos ridículos que acabaram por virar-se contra a classe.

Depois, após a divulgação, pelo jornal O Jogo, da nota do árbitro, foi a vez de a APAF desatar aos tiros nos pés, histérica com a fragilização que daí podia decorrer para os seus filiados. Será que nem Luís Guilherme nem Vítor Reis percebem que, quanto mais se souber que os erros dos árbitros são penalizados (logo dessacralizados e desdramatizados), mais fácil se torna o seu dia-a-dia? Será que nem a Comissão de Arbitragem da Liga nem a APAF percebem que, de tanto quererem proteger os árbitros, estão a assassinar a sua credibilidade? Neste caso a aplicação do princípio do prevaricador-pagador é a única aceitável, a única, aliás, que pode fazer a diferença entre os árbitros que erram muito e aqueles que erram menos, a única que descansa não só os agentes do futebol mas, sobretudo, o povo do futebol, quanto à verdade que rodeia os jogos e os resultados.

No Benfica-Nacional, Mário Mendes enganou-se, ao ver o que não aconteceu, já que ninguém tocou na bola rematada por Alexandre Goulart. Pergunta à CA da Liga e à APAF: se Benquerença e auxiliares não podem ser penalizados pelo que aconteceu mas não viram, será que Mário Mendes e auxiliares podem ser penalizados pelo que viram mas não aconteceu?

Meus senhores, os árbitros são o elo mais fraco. Defendam-nos como deve ser!


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